Dono da JBS revela detalhes de como os ex-presidentes foram informados
sobre saldo de propinas de R$ 300 milhões para o PT
Por Thiago Bronzatto, Hugo Marques
Os ex-presidentes Lula e Dilma eram destinatários de uma conta secreta no exterior, segundo delator (Nacho Doce/Reuters)
No auge das eleições em 2014, Joesley Batista, dono da JBS,
maior processadora de carne do mundo, entrou no Palácio do Planalto, em
Brasília, e se dirigiu ao 3º andar. Ali se encontrou com a então presidente Dilma Rousseff. Sentado numa ampla mesa redonda, o
empresário disse: “Presidenta, eu vou falar um negócio aqui para a senhora. A
senhora não precisa me confirmar nada. Mas só para te falar o que o Guido
(Mantega, então ministro da Fazenda) me fala para a gente estar na mesma
página. Tinha uma conta tal, que tinha 70 milhões (de dólares), outra 80
(milhões de dólares). Diz ele uma ser sua e uma ser do Lula. Veio as eleições, a gente já fez 300 e tantos
milhões. Em tese, está acabando o dinheiro”. Joesley se referia a um acordo que
fora feito com Mantega para criar uma conta-propina no exterior no valor de 150
milhões de dólares em troca dos investimentos bilionários feitos pelo BNDES e
pelos fundos de pensão na JBS. Esses recursos ficavam sob administração da
companhia lá fora – e eram liberados para candidatos do PT durante as eleições daquele
ano.
Naquele momento, Joesley estava preocupado, porque o
saldo da conta secreta estava chegando ao fim. O empresário alertou Dilma de
que o seu tesoureiro, Edinho Silva,
queria mais 30 milhões de reais para a campanha do ex-ministro Fernando Pimentel ao governo de Minas Gerais.
“Fazendo esses 30 milhões, aí acabou mesmo o dinheiro, aí não tem mais nada. Queria
que a senhora ficasse ciente disso. É para fazer mesmo 30 milhões?”, perguntou
Joesley a Dilma. “Ela (Dilma) falou: ‘Tem que fazer mesmo, os 30 milhões’”,
conta o empresário, reproduzindo o diálogo no depoimento prestado ao Ministério
Público Federal em Brasília no último dia 12.
A conversa com Dilma
Joesley conta que após o encontro com Dilma foi também ao Instituto Lula, em
São Paulo. “Tive uma vez com o Lula (para falar) sobre esse assunto (…) Já
tinha passado as doações de 300 e tantos milhões (…) Em 2014. Devia ser no
segundo turno (…) Estive lá no Instituto Lula, mais ou menos com o mesmo
propósito de ter ido na Dilma, um pouquinho diferente, porque a Dilma ainda
estava me pedindo para mandar 30 milhões”, afirmou o empresário. ”O Lula não
estava me pedindo dinheiro nem nada. Mas eu fui lá porque eu estava preocupado
com essa história da conta dele, de estar gastando dinheiro dele, supostamente,
se fosse dele mesmo. Aí eu fui lá e só contei a história para ele. Eu disse:
‘Presidente, eu vim aqui, tal, porque eu estou muito preocupado, a gente vai
ser o maior doador de campanha disparado. Eu tenho atendido aí o partido, o
Guido, todo mundo, tal, tem pedido, mas, enfim, já está em 300 e tantos
milhões. O senhor está consciente aí da exposição que vai dar isso, do risco de
exposição e tal?’ Enfim, ele se encostou para trás, olhou bem para mim, ficou
calado, não falou nada”, disse Joesley (ouça abaixo). O empresário ainda insistiu em
alertar o presidente Lula: “Eu dei meu dever cumprido. Eu falei: ‘Olha, estou
vindo aqui te falar isso só para o senhor precisa saber disso’. Porque eu,
naquele momento ali, eu entendi que, ele sabendo que tinha sido mais de 300
milhões, amanhã ele não poderia vir me cobrar… Se aquele dinheiro fosse dele”.
Lula e as doações para o PT
Essas duas histórias fazem parte do acordo de delação premiada feito por
Joesley com o Ministério Público Federal e foram narradas com mais detalhes
pelo empresário numa investigação que vai rastrear os 150 milhões de dólares
que a JBS destinou aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Em seu depoimento,
Joesley confirmou que pagava 6% de propina sobre o valor de todos os recursos
do BNDES e dos fundos de pensão aportados em empresas do grupo J&F, dono da
JBS. Ao todo, o conglomerado recebeu mais de 9 bilhões de reais dos cofres
públicos. O pixuleco, segundo o empresário, era distribuído da seguinte forma:
o ex-ministro Guido Mantega reservava 4% para as contas de Lula e Dilma, o
ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto ficava com 1% e os presidentes
dos fundos de pensão abocanhavam 1%.
Joesley contou ao
Ministério Público que se aproximou de Mantega por meio de um amigo em comum, o
empresário Victor Sandri, em meados de 2005. Algumas das propinas pagas para
Mantega foram entregues inicialmente ao empresário Sandri. Joesley começou a
pegar seus empréstimos bilionários no BNDES quando Mantega assumiu a
presidência da instituição. O procurador Ivan Cláudio Marx perguntou se havia
contrapartidas nessas operações. Joesley foi bem claro: “Todos esses casos
(empréstimos) teve”, disse o empresário. O dono da JBS, no entanto, só passaria
a negociar a propina diretamente com Mantega em 2009, quando o economista
comandava o Ministério da Fazenda. Joesley conta que perguntou como seriam
feitos os pagamentos: “Vamos fazer assim: o dinheiro fica contigo”, pediu
Mantega, conforme narrou o empresário. “Eu ficava lá como fiel depositário”,
ironizou Joesley.
Até 2011, Joesley
diz que mantinha a conta-propina de 150 milhões de dólares no exterior somente
para beneficiar Lula. Foi quando Guido Mantega fez um novo pedido: “Você tem
que abrir outra conta. Essa você separa e abre uma outra conta. Começa a
depositar numa nova. Essa aqui é do Lula. Agora vamos abrir uma conta para a
Dilma”, disse Mantega, segundo o empresário. Joesley conta que entregava os
extratos bancários das duas contas dos presidentes para Mantega, que os levava
para Dilma e Lula acompanhar o saldo. “Eu falei para ele que ele tinha que
tomar cuidado com os extratos, se não era melhor jogar fora”, diz Joesley. “Ele
falou: ‘Eu mostro lá. Eu tenho que prestar contas’”, respondeu Mantega, segundo
reproduziu Joesley. “O senhor mostra esses extratos para Dilma e para o Lula?”,
perguntou Joesley. “Mostro, sim”, disse Mantega, segundo o relato do
empresário. Na campanha de reeleição de Dilma, em 2014, Joesley conta que já
tinha distribuído mais de 300 milhões de reais da propina para a campanha de
Dilma. Uma parte desse dinheiro foi usada pelo PT para comprar outros partidos.
O procurador que
instaurou o procedimento é o mesmo que conduz a investigação da Operação
Bullish, que apura suspeitas de irregularidades num investimento bilionário
feito pelo BNDES na JBS. Ivan Cláudio Marx não aceitou assinar o acordo de
leniência com a companhia, porque considera que o valor de quase 2 bilhões de
reais que será pago em multas ao banco estatal deveria ser maior. Afinal, a
empresa recebeu mais de 8 bilhões de reais do BNDES. Por isso, a JBS está
sujeita a ser alvo de uma ação de improbidade, o que poderá bloquear parte do
patrimônio da companhia e de seus acionistas. O acordo fechado por Joesley com
a Procuradoria-Geral da República o livra de ações penais e de ações cíveis
envolvendo os recursos recebidos pelo grupo J&F dos fundos de pensão e de
um fundo da Caixa Econômica Federal. A companhia topou desembolsar 10,3 bilhões
de reais ao longo de 25 anos para encerrar os seus processos na Justiça.
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